O Código Florestal ou a Lei de Parcelamento do Solo Urbano

Em decisão publicada neste mês de março*, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Código Florestal prevalece em relação à Lei de Parcelamento do Solo Urbano (LPSU), nos casos de edificações construídas em zona urbana na margem derio.

A LPSU define, como distância mínima, 15 (quinze) metros entre as construções e as margens de cursos d’água, lei que até então vinha sendo aplicada, por tratar especificamente de perímetros urbanos consolidados, entendidos como áreas onde a existência da cidade já está bem desenvolvida.

O Código Florestal, por outro lado, obriga distanciamento mínimo superior das edificações, a depender da largura do rio. A título de exemplo, se o rio tiver até 10(dez) metros de largura, o recuo de empreendimentos deve ser de 30 (trinta) metros,se houver de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura, a distância deve ser de 50 (cinquenta) metros. Se o curso d’água tiver de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos)metros, o distanciamento deve ser de 100 (cem metros).

No caso submetido à análise pelo STJ, foi construído e instalado um posto de combustível na cidade de Lauro Müller (SC), com as respectivas licenças ambientais,no qual foi observado o disposto na Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que definia o distanciamento mínimo do rio de 15 (quinze) metros, por se tratar de área urbana.Apesar disso, o STJ aplicou o Código Florestal, com base na proteção do meio ambiente.

A Justiça Estadual havia permitido a construção da obra com o recuo de15 (quinze) metros.Assim, entendeu que mesmo que a obra já estivesse concluída, não poderia ser mantida, porque tornaria inviável a regeneração da área “degradada”. Se não bastasse, consignou que apesar de a construção ter obtido todas as autorizações necessárias dos órgãos públicos, tais atos são passíveis de ser anulados, em caso de ilegalidade ou de interpretação equivocada da lei.

Por isso, determinou que o posto de gasolina observasse a distância de 50(cinquenta) metros do Rio, com base no Código Florestal.Toda a decisão foi fundamentada na necessidade de proteger o meio ambiente. O que o STJ não levou em consideração é que esta proteção deve estar de acordo coma ideia de desenvolvimento sustentável, que nada mais é a conciliação de situações aparentemente opostas: o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente, de forma a garantir desenvolvimento para o presente e gerações futuras.

É evidente que em áreas dentro de perímetros urbanos, o respeito ao distanciamento de no mínimo 50 (cinquenta) metros prejudica em muito o desenvolvimento econômico. Na decisão, o STJ nem ao menos abordou o ponto essencial que afastaria a aplicação do Código Florestal: a existência de área urbana consolidada.

É claro que a situação seria diferente se, por exemplo, se estivesse diante de perímetro rural ou praticamente não habitado.Mas não foi este o caso. O Engenheiro Ambiental Gian Franco Werner destaca que, apesar da necessidade de proteção ambiental, “inviabilizar empreendimentos já consolidados que já estão em áreas sem capacidade de exercer suas funções ecológicas dramatiza a situação e diminui a capacidade de entendimento da importância do meio ambiente para o planejamento urbano”.

Algumas cidades possuem até mesmo Lei Municipal que trata especificamente desse assunto, aplicadas em detrimento ao Código Florestal, as quais preveem recuo superior, já adequados às peculiaridades da realidade local. Isto é, atende tanto aos interesses econômicos quanto à necessária preservação ambiental.

A autorização para que Municípios legislem sobre assuntos de interesse local é essencial para que possam se desenvolver de maneira adequada, de modo que ainda que não haja área urbana consolidada (o que atrairia a aplicação da Lei de Parcelamento do Solo Urbano), devem dispor de meios de se autogerir no seu território urbano.Retomando à ideia central, o que merece destaque é a insegurança que a decisão do STJ provoca.

Quer dizer que mesmo que o empreendedor tenha tomado cautela e agido dentro da lei, ao obter todos os documentos necessários para a regularidade da construção, não está seguro de que sua obra possa vir a ser embargada? Foi exatamente o que aconteceu no caso acima citado, onde foi determinada a demolição do que foi edificado, para que se readequasse ao recuo determinado no Código Florestal.

Em verdade, são várias as cidades do Estado de Santa Catarina que se ergueram ao longo do leito de rios, em especial o Rio Itajaí-Açu, que possuem toda suas histórias construídas no entorno desses cursos d’água. A exigência de recuos tão extensos,como de 50 (cinquenta) metros ou mais, seria absolutamente inviável, pois significaria a aniquilação de suas principais edificações e centros urbanos.

Cite-se de exemplo a Avenida Beira Rio de Itajaí (SC), onde há uma extensa via com restaurantes e bares, que recebe frequentemente turistas e moradores da cidade. A região estimula não apenas a economia local, com a geração de empregos, mas também o turismo. O próprio município de Ilhota, conhecido como “capital da moda íntima”, teria sua principal atividade econômica comprometida, pelo fato de que a maioria das lojas não “respeitam” o limite imposto pelo STJ.Para piorar, não são apenas empreendimentos privados que, segundo o STJ, estariam irregulares.

A própria Prefeitura de Blumenau não observa o Código Florestal, que obriga a faixa mínima de de 100 (cem) metros, ao levar em consideração a largura do Rio Itajaí-Açu. Até porque a Lei Municipal, que é aplicada pelos órgãos ambientais da cidade, prevê distanciamento muito inferior.A insegurança jurídica provocada realmente é latente. Para exemplificar, tem-se um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público de Santa Catarina(MPSC) em 2013 com um particular, que o obrigou a observar o distanciamento mínimo de 15 (quinze) metros, ao entender que a legislação aplicável é a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, por estar o imóvel localizado em área urbanaconsolidada.

Pergunta-se: o que ocorrerá com casos como este, onde se situam empreendimentos que já foram há muito consolidados? Os proprietários correm o risco de perder o direito de ocupar parte do imóvel a que já tinham direito?Está clara a forte insegurança provocada ao empreendedor, que pressupõe estar de acordo com a lei ao obter todas as licenças necessárias para construir e operar, masque pode enfrentar seríssimos problemas com órgãos públicos em razão da mudança de interpretação da lei.

Esse é um fator importantíssimo, mas que infelizmente é “esquecido” pelos julgadores do País ao tomarem decisões tão importantes e emblemáticas como esta.Ao final, pergunta-se: se o cenário atual já não é dos mais favoráveis, até que ponto pode a proteção ao meio ambiente se sobrepor ao incentivo à prosperidade socioeconômica? Violar este equilíbrio não comprometeria, na verdade, ainda mais as futuras gerações?

*Gabriela Cristina Silveira é advogada, graduada em Direito pela Universidade do Valedo Itajaí – Univali. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela AcademiaBrasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Atualmente integra o EscritórioHess & Arend Advogados, atuante nas áreas do Direito Ambiental e Penal Econômicoe Mestranda em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo Instituto de Direito Públicode São Paulo – IDPSP.
Colaboração: Gian Franco Werner, Engenheiro Ambiental (CRQ/SC – 13302932)
Fonte: Comunicação do Superior Tribunal de Justiça

Confira a postagem no Portal Juscatarina: https://www.juscatarina.com.br/2019/04/03/o-codigo-florestal-ou-a-lei-de-parcelamento-do-solo-urbano-em-areas-urbanas/

9 de abril de 2019