STJ admite inventário extrajudicial mesmo com testamento

A 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu recentemente que um inventário pode transcorrer por via extrajudicial mesmo quando houver testamento. O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que os interessados são maiores de idade, capazes, estão em plena concordância e devidamente acompanhados por advogados. A turma foi unânime ao acompanhar o voto do relator.

O caso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgar pela impossibilidade do inventário por via administrativa, já que a existência de testamento leva ao artigo 610 do Novo Código de Processo Civil, de 2015, que dispõe: “Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.”

Por outro lado, o relator Luis Felipe Salomão não viu necessidade de judicialização do inventário, dado o pleno e comum acordo quanto à destinação e partilha dos bens entre herdeiros e interessados. Admitindo a via extrajudicial, reduz-se formalidades e burocracias, conferindo celeridade ao caso concreto e ao Judiciário.

O mesmo artigo 610 no Novo CPC, em seu § 1°, afirma que o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública sempre que os herdeiros forem capazes e concordes. Ainda segundo o ministro, só o fato de existir testamento não pode impedir que o inventário siga pela via administrativa, sob pena de violação de princípios caros à Justiça, como a efetividade da tutela jurisdicional e a duração razoável do processo.

Jurisprudência pode mitigar formalidades

Em sua obra, o advogado Flávio Tartuce, diretor nacional do IBDFAM, defende decisões como essa mais recente do STJ. “Como eu disse no último Congresso Nacional do IBDFAM, a jurisprudência pode sim mitigar um ou outro requisito de formalidade previsto em lei, e o STJ tem feito isso muito bem”, comenta.

Para ele, não há perigo de qualquer prejuízo à vontade do falecido ou ao interesse dos herdeiros. “Por conta da necessidade de abertura judicial, o legislador entendeu que poderia haver algum prejuízo, mas isso me parece superado, se todos estiverem de acordo”, opina Tartuce.

“O STJ concluiu que é possível usar a via administrativa se o testamento for confirmado previamente em juízo. Adotou-se a linha de Enunciados da Jornada de Direito Civil, da Jornada de Processo Civil, da Jornada de Solução Extrajudicial de Solução de Controvérsias, todos em eventos promovidos pelo Conselho da Justiça Federal”, acrescenta o advogado.

Segundo Tartuce, adotou-se também o entendimento do Enunciado 16 do IBDFAM: “Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.”

O IBDFAM já havia enviado ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ um pedido de providência atentando sobre o tema. Para Tartuce, a decisão do STJ pode ajudar na padronização de admissão de inventários extrajudiciais mesmo quando houver testamento. “É um passo determinante para que o CNJ adote a mesma linha”, prevê.

“Talvez agora o CNJ reveja o seu antigo posicionamento, afinal o STJ já decidiu nacionalmente em sentido contrário e a proibição não é mais efetiva”, acrescenta Priscila Agapito, presidente da Comissão de Notários e Registradores do IBDFAM.

STJ agiu em acordo com anseio social

Para Priscila, o Judiciário cumpriu, com essa decisão, seu papel de interpretar normas em acordo com o anseio social. “Estava mais que na hora de haver um regramento nacional”, diz a tabeliã. Ela lembra que muitos estados já possuíam, com um ou outro óbice, provimentos autorizativos nesse sentido, caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraíba, Bahia, Ceará, Pará, Santa Catarina e Paraná, além do Distrito Federal.

Ainda segundo a tabeliã, a inexistência de conflitos entre as partes é o pressuposto básico para que o inventário decorra extrajudicialmente. “Não faz sentido o tabelião lavrar o testamento em vida e não poder cumpri-lo depois de morto o seu cliente. Ninguém melhor que o tabelião para saber interpretar um testamento”, defende. “Se as partes estão todas de acordo, não há porquê condená-las a um longo processo no Judiciário, se elas podem ter o seu desiderato atendido em dias no tabelionato de notas.”

Ela se opõe ao impedimento da via administrativa quando existem herdeiros menores de idade. “Bastaria que o Ministério Público participasse da escritura e os requisitos legais estariam atendidos”, acredita.

Priscila ainda aponta outra discussão que se aproxima do Poder Judiciário, enquanto não é abordada pelo Legislativo. “Precisamos evoluir para tornar desnecessária a ação de registro de testamento. Ela deveria ser necessária só quando houvesse fundada dúvida sobre alguma formalidade do testamento. Nos demais casos, apenas onera as partes e o próprio Poder Judiciário”, propõe.

Notícia por IBDFAM – www.ibdfam.org.br

3 de fevereiro de 2020